"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

sábado, 7 de novembro de 2015

Bauman Rare Books – November 2015 Catalogue




An Exceptional, Large, Uncut Copy In Original Boards: First Edition Of Ellis' Embassy To China, 1817, With Superb Hand-Colored Aquatints And Large Folding Map Of The Route To The British Embassy In China.


Recebi mais um dos excelentes catálogos da Bauman Rare BooksNovember 2015 Catalogue – que, para além de muitas obras já bem nossas conhecidas, nos apresenta duas que são pouco frequentes de aparecerem e que estão a ser tema de polémicas na actualidade (pelo menos aqui em Portugal…).


Refiro-me concretamente a O Capital de Karl Marx, que com a perspectiva de um regresso da esquerda ao poder e do eventual apoio do P.C.P. ressuscitou (aqui em Portugal) a discussão em torno dos velhos “fantasmas” marxistas.


56. MARX, Karl. Capital: A Critical Analysis of Capitalist Production. London, 1887. Two volumes. Octavo, original gilt-stamped burgundy cloth recased. [$17,000].



First edition in English of the first part of Marx’s landmark Das Kapital, the only part published in his lifetime, containing substantial revisions made by Marx for the first French translation, this two-volume work edited by Engels and translated from the third German edition. A very scarce and important printing of a seminal work in economic and political thought.



“Marx himself modestly described Das Kapital as a continuation of his Zur Kritik des Politischen Oekonomie, 1859. It was in fact the summation of his quarter of a century’s economic studies… The ‘Athenaeum’ reviewer of the first English translation (1887) later wrote: ‘Under the guise of a critical analysis of capital, Karl Marx’s work is principally a polemic against capitalists and the capitalist mode of production, and it is this polemical tone which is its chief charm’” (PMM 359). “In his funeral eulogy for Karl Marx, Engels concluded that ‘Marx was above all a revolutionary… It is doubtful that any figure in history has inspired more violently contradictory opinions than Karl Marx” (Downs, 22). “Only this first part of Marx’s magnum opus appeared in his lifetime,” with its publication in German in 1867 (PMM 359). The remainder was constructed by Engels from Marx’s posthumous papers. Containing Marx’s central concept of surplus value, this first edition in English is translated from the third German edition of Moore and Aveling, is edited by Engels and incorporates substantial revisions Marx made for the first French translation (1872-5). Although Engels published the German edition of volume II in 1885, his preface notes that a translation of it without volume III was necessarily incomplete; the German edition of volume III did not appear until 1894. Bookplates of Manchester Reform Club with penciled notations. Interiors very fresh with only a few leaves roughly opened, closed tear to one leaf (I:337), expert archival restoration to spine ends of original cloth.


E a rara primeira edição, em inglês, dos comentários Martinho Lutero sobre A Epistola de S. Paulo aos Gálatas, 1575, obra muito importante para a história do prostetantismo, numa altura em que a temática religiosa é tema de discussão e contorvérsia em vários quadrantes na Europa.

(como simples nota de curiosidade refira-se que o Cristianismo teve um processo de Reforma e a consequente Contra-Reforma o que nunca se verificou no Islamismo)



58. LUTHER, Martin. A Commentarie of M. Doctor Martin Luther upon the Epistle of St. Paul to the Galathians. London, 1575. Octavo, mid 19th-century full vellum gilt. [$17,500].

Rare first edition in English of Luther’s important commentary on Galatians—“his most influential work in English”—bound in full 19th-century vellum-gilt.



Martin Luther, father of the Protestant Reformation, held his study of Galatians to be “his greatest exegetical work” (Bray, Reformation Commentary on Scripture, Volume X). Certainly, no other book of Scripture excited such passion in him: “The Epistle to the Galatians is my own epistle,” he once declared. “I have betrothed myself to it.” In the apostle Paul’s letter, Luther found abundant support for his doctrine of justification by grace through faith alone, an essential tenet of Protestant faith. “The original edition of this Commentary—in Latin, like the lectures on which it was based—was prepared for the press by George Rorer, one of Luther’s most assiduous and reliable reporters, with some assistance from Veit Dietrich and more from Caspar Cruciger… All three had attended the lectures in 1531, and Rorer… had taken very full notes” (Philip Watson). Luther approved the text and contributed a preface, and the work first saw print in 1535. “The importance of this Commentary on Galatians for the history of Protestantism is very great. It presents like no other of Luther’s writings the central thought of Christianity, the justification of the sinner for the sake of Christ’s merits alone” (Theodore Graebner).

Printed in Gothic type. This copy without Vautroullier’s printer’s device on verso of title page (no priority established). Leaves O1 and O2 misbound; all text present. Lowndes, 1415. Large engraved bookplate. Small ticket of 19th-century London bookbinder Charles Thurnam. Contemporary owner signature to title page. A few old ink markings and marginalia. Light green leafy sprays painted on gilt and gauffered edges of text block. Some minor dampstaining to first few leaves, expected mild soiling and rubbing to vellum-gilt, light wear to spine head, joints split, binding sound. An exceptionally rare and desirable copy of a major theological landmark.

Claro que os manuscritos dos presidentes dos USA têm um lugar cativo e com valorizações sempre muito significativas.



42. FRANKLIN, Benjamin. Document signed. Philadelphia, April 26, 1787. Original folio leaf (9 by 15 inches) in manuscript on the recto, docketed on the verso. [$25,000].

Official 1787 manuscript document in a secretarial hand signed by Founding Father Benjamin Franklin as President of Pennsylvania—”B Franklin, Presid”— only a month before making his much heralded appearance, as a Pennsylvania delegate, to the Constitutional Convention, containing his autograph endorsement in the “Petition of Daniel King & John Gardner” on the bankruptcy of a prominent Philadelphia coach maker who, having later survived in business, would sell George Washington a coach in 1793.

Franklin is the only Founding Father to be signatory to all four key documents in America’s founding: the Declaration of Independence, Treaty of Paris, Treaty of Alliance with France and the U.S. Constitution.

Aqui ficam estes exemplares, mas mais do que pelo seu interesse bibliófilo, seria interessante reflectirmos sobre o seu significado na época em que foram escritos e que, passado tanto tempo, ainda hoje despertam paixões e ódios e continuam a ser tema de discussão.


Saudações bibliófilas

domingo, 1 de novembro de 2015

Alexandre Herculano – A Voz do Propheta: o contexto político da obra.



Nas novidades de Outubro de Livraria do Adro de Miguel de Carvalho, encontrei uma obra que me despertou a curiosidade.

Trata-se de A Voz do Propheta de Alexandre Herculano, pelo que tentei averiguar mais um pouco sobre ela.


Alexandre Herculano

É do resultado deste breve estudo que aqui deixo alguns apontamentos.







12464. HERCULANO, Alexandre – A Voz do Propheta. Ferrol (no verso Imprenta de Espeleta calle de la Union, Nº 57), 1836 e Lisboa, Typ. Patriótica, 1837. Dois opúsculos  in-8º de 35 e 32 págs. Brochuras. Folhas com marens desencontradas.

Raríssimo quando acompanhado das duas partes.
PRIMEIRA EDIÇÃO com capas de brochura.
Preço: 450,00€

Obra de grande impacto na época. Obra poética em molde de manifesto, influenciada pelas Paroles d'un Croyant de Lamennaisque e foi publicada anónimamente,com propósitos panfletários contra a revolução setembrista chefiada por Passos Manuel.

Como se depreende do título, o sujeito poético assume-se como Voz da Humanidade, dirigindo-se à Pátria na qualidade de defensor da Justiça e da Moral.

O primeiro opúsculo tem indicação de ter sido impressa em Ferrol, na Galiza, o que, segundo os bibliógrafos do escritor, não é seguro que tenha acontecido.


O Páteo do Gil na Rua S. Bento (já desaparedido)
(onde viveu a família e aqui nasceu Alexandre Herculano)

Aliás, Alexandre Herculano já se interrogara sobre o rumo da literatura portuguesa quando escreveu, e psso novamente a citar:

“Alexandre Herculano não se furtou a tomar parte nessa enorme tarefa. De imediato, preocupado com os rumos da literatura portuguesa, procurou expressar a nova concepção estético-literária do Romantismo em dois importantes artigos – “Qual é o estado da nossa literatura? Qual é o trilho que ela hoje tem a seguir?” (1834) e “Poesia: Imitação – Belo – Unidade” (1835) – ambos publicados no periódico quinzenal O Repositório Literário (1834-1835), da cidade do Porto. (1)

Do ponto de vista formal, A Voz do Propheta constitui um dos raros exemplos de utilização do verso branco ou de prosa bíblica do Romantismo português.


Gravura alegórica da Carta Constitucional de 1826

“Em novembro de 1836, com apenas vinte e seis anos de idade, o escritor Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo aparece propriamente para a literatura portuguesa. Sua estreia literária, marcada por um típico succès de scandale, deu-se através da publicação da primeira série de textos de um panfleto, de nítido teor político-messiânico, que ficou conhecido com o sugestivo nome de A voz do profeta.2 Em fevereiro do ano seguinte, sairia a segunda série3 juntamente com uma nova edição da primeira série,4como prontamente se apressava em informar ao público o seguinte anúncio do Diário do Governo, de 21 de fevereiro de 1837:…” (1)

Esta obra é um ataque panfletário à Revolução de Setembro de 1836. (2)

O movimento teve origem em Lisboa, onde em Outubro de 1836 desembarcavam os deputados eleitos no Norte.

Por essa altura já tinham sido publicados vários folhetos e jornais a pregar a revolução e a atacar o governo cartista, pelo que a população lisboeta, em geral, já tinha tomado conhecimento do que estava prestes a acontecer e acolheu o movimento de braços abertos. Quando os deputados desembarcaram, uma enorme multidão foi ao seu encontro. 



Capa e primeira página do original da Constituição de 1822

Pouco depois, gritava-se pela Revolução, pela Rainha e pela Constituição de 1822 e contra o Governo. Isto ocorreu a 9 de Setembro. A Rainha e o Governo, sem meios para combater a revolução (já que a Guarda Nacional apoiava também ela própria o movimento), entregou o poder aos representantes do Setembrismo. 

Eram eles Vitório de Sousa Coutinho, conde de Linhares, Sá da Bandeira e Passos Manuel. Nenhum deles tinha participado na revolução propriamente dita, mas afiguravam-se como os mais brilhantes e populares defensores das ideias setembristas.


Passos Manuel, o principal obreiro da Revolução de Setembro.

A Revolução de 9 de Setembro foi uma das poucas revoluções na História de Portugal que começou como um movimento estritamente civil e popular, e que só depois recebeu adesão militar, por parte da Guarda Nacional.

“Por sua conta, os setembristas, como ficaram conhecidos os membros da facção revolucionária, assim que foram alçados ao poder, com Passos Manuel à frente do Ministério do Reino, aboliram a Carta Constitucional, impondo ao país a adoção imediata da Constituição democrática de 1822, o que, de fato, aconteceu ainda no dia 10. No dia seguinte, a rainha, acompanhada do marido, o Príncipe D. Fernando, dirigiu-se aos Paços do Concelho para jurar o texto constitucional que fora restabelecido. Com algumas linhas de dramaticidade literária, Oliveira Martins (1996, p. 62) observa que “a mão da rainha hesitava, tremia, ao assinar o papel”, para, em seguida, rematar: “e que não admira. Esse decreto reduzia-lhe a Coroa a coisa nenhuma; tirava-lhe o direito do veto e todos os direitos soberanos”. (1)


Rainha D.ª  Maria II

Podemos enumerar como causas para o se desencadear: a miséria de boa parte do povo operário; a dependência em relação à Inglaterra; a concentração do poder político e económico numa burguesia limitada, predominantemente rural; o cariz fortemente antidemocrático do cartismo e da Carta Constitucional; e a revolução em Espanha de 1836, embora todo o processo político seja muito mais complexo.


Alexandre Herculano

Alexandre Herculano, cartista assumido, não aceitou esta alteração e: “Será, portanto, neste conturbado contexto histórico-político da vida portuguesa que o liberal cartista Alexandre Herculano, descontente com a orientação setembrista, escreverá e publicará A voz do profeta. Inicialmente, como era funcionário público, ele se recusou veementemente a jurar a Constituição vintista, e, como forma de protesto, pediu demissão sumária do cargo, que ocupava desde 1833, de segundo bibliotecário da Biblioteca Pública do Porto. Em carta, datada de 17 de setembro de 1836, ende-reçada a Manuel Pereira Guimarães, então presidente da Câmara Municipal do Porto, Herculano (s.d, p. 178-179) justifica sua decisão, alegando sua inteira fidelidade à Carta:” (1)

No entanto, ainda que nunca aceitasse esta situação, Alexandre Herculano, já instalado em Lisboa, publicaria A Voz do Propheta.

“Pouco tempo depois, já instalado em Lisboa, e reiterando o seu descontentamento, Alexandre Herculano apresenta ao país a primeira série de textos de A voz do profeta. Pode-se mesmo dizer que esta sua obra inicial se transformou numa espécie de resposta pública à Revolução de Setembro. Inspirado, notadamente como modelo literário, nas Palavras de um crente, de Lamennais, que, também em 1836, fora traduzido em Portugal, com evidentes tintas republicanas, por Antonio Feliciano de Castilho,8 o texto de Herculano, além de se constituir numa espécie de manifesto teórico do cartismo, apresenta-se também como uma verdadeira réplica ao padre francês, sobretudo no que se refere às ideias de povo e de soberania popular.” (1)





LAMENNAIS – Paroles d’un Croyant. Deuxième édition. Paris, Renduel, 1834 ; in-8 de 2 feuillets non paginés-237-(1) pages, demi-reliure de l'époque veau fauve, titre et décor aux fers, faux-nerfs et frises dorés au dos ; tranches jaspées, gardes de papier à la cuve, couverture non conservée. (eBay)

Espero, com, estas notas, ter-vos despertado a tenção para a leitura da obra e sobretudo para o estudo deste período bem conturbado da História de Portugal.

Saudações bibliófilas.

Notas:

(1) MARQUES, Wilton José – Alexandre Herculano e A voz do profeta in Navegações, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 40-47, jan./jun. 2012.
(Estudo de que recomendo vivamente a sua leitura atenta.)



(2) Revolução de Setembro de 1836 – Wikipedia.